A sociedade e a cultura evoluem como um todo e muitas vezes tal evolução não é acompanhada pelo mundo jurídico. A multiparentalidade trata da possibilidade do padrasto ou madrasta adicionar o seu nome ao registro civil do enteado. Acompanhe.
Ainda que pareça ser algo novo, a multiparentalidade ou filiação multiparental, é decorrente da filiação socioafetiva e embora não exista previsão legal em nosso ordenamento jurídico, já é uma realidade em nosso país.
Trata-se de um conceito que tem ganhado destaque no Direito de Família, reconhecendo a possibilidade de uma pessoa ter dois pais ou mães no registro civil. Esta situação pode ocorrer, por exemplo, quando padrastos ou madrastas assumem um papel parental importante na vida dos enteados, gerando vínculos afetivos e responsabilidades semelhantes às dos pais biológicos.
CONCEITO
Desde os primórdios, o homem é um ser social e sociável, que nasce e vive em sociedade. Ao nascer, é introduzido à uma família, principal meio social humano, que costumamos chamar de célula mater da sociedade – o espaço primeiro e mais importante para o estudo e desenvolvimento de sociedades.
Sua primeira vivência acontece em família, independentemente de sua vontade ou da forma de constituição desta. Através da família, o ser humano adquire nome e sobrenome, que determinam sua estratificação social. Além disso, também herda o biótipo específico de sua raça, e que o faz sentir, ou não, membro aceito pela mesma. Portanto, a família é o primeiro espaço para a formação psíquica, moral, social e espiritual da criança.
Há que se observar, então, que atualmente a família constitui-se de diversas formas, tornando ultrapassado o estigma de que apenas a família biológica e baseada no casamento pode ser considerada estruturada e moralmente correta. Tem-se, como exemplo, a família monoparental, a união estável, o casamento e adoção por pares homoafetivos, entre outros.
Com a evolução do casamento e dos tipos de união socioafetivas havidas entre as pessoas, constatou-se a necessidade de garantir a manutenção ou estabelecimento de vínculos parentais entre os componentes da família moderna.
Sendo assim, a multiparentalidade, ou filiação multiparental é a possibilidade jurídica conferida ao genitor biológico e/ou ao genitor afetivo de invocar os princípios da dignidade humana e da afetividade para que uma pessoa possa ver seu pai ou mãe biológicos ou socioafetivos reconhecidos concomitantemente no registro civil.
Diz-se isso pois, via de regra, o nome dos pais biológicos sempre consta do registro civil dos filhos. Contudo há casos em que o nome do pai afetivo não consta do registro e, após alguns anos, pleiteia-se o reconhecimento da multiparentalidade para o reconhecimento da parentalidade biológica.
Em outras palavras, a multiparentalidade concede o direito de uma pessoa ver o nome do seu pai ou mãe socioafetivo em sua certidão de nascimento. Contudo, o fato de uma pessoa possuir em seu registro civil o nome de dois pais ou duas mães, não significa necessariamente que estes vivam em uma sociedade poligâmica ou união poliafetiva.
Pelo contrário, a multiparentalidade visa apenas e tão somente a proteger o interesse dos filhos, salvaguardando aos princípios da afetividade, da solidariedade e da parentalidade responsável, em nada se relacionando com uniões poliafetivas.
No entanto, o fato de uma pessoa possuir dois pais ou duas mães em seu registro civil é apenas um exemplo e nada impede que existam outros arranjos familiares onde a multiparentalidade possa ser reconhecida.
Portanto, podemos afirmar que a Multiparentalidade é a coexistência legal de múltiplos vínculos parentais, onde uma criança pode ter dois pais e/ou duas mães registradas legalmente. Esse reconhecimento busca refletir a realidade de muitas famílias contemporâneas, onde relações afetivas e de cuidado extrapolam as configurações tradicionais.
EFEITOS JURÍDICOS
Como já vimos, reconhecida a multiparentalidade, o interessado passa a ter o direito de ter dois pais ou duas mães reconhecidos em seu registro civil, conforme o caso. Contudo, em razão de tal alteração, surgem, também, outros direitos e deveres.
Inicialmente, em função do novo vínculo de maternidade ou paternidade, a linha de parentesco se estende aos demais graus em linha reta e colateral (até o quarto grau), passando a produzir todos os efeitos patrimoniais e jurídicos relacionados, englobando toda a cadeia familiar.
Assim, o filho adquire parentesco com a família do pai/mãe afetivo e pai/mãe biológico, bem como, todas as disposições legais relacionadas ao direito de família passam a ser validados para todas as partes envolvidas.
Entre estes direitos e deveres estão, por exemplo, os impedimentos matrimoniais, os direitos sucessórios – com três sucessões – ou conforme o caso, o dever de amparar os pais na velhice e tantos outros.
COMO FUNCIONA A MULTIPARENTALIDADE
Apesar da evolução em nosso direito, nossa legislação ainda não evoluiu tanto, de forma que o uso da multiparentalidade depende de sentença judicial. Mesmo assim, tal fato denota avanço do Direito de Família brasileiro no reconhecimento, promoção e efetivação dos direitos das pessoas e das famílias.
Sendo assim, para fazer uso da multiparentalidade, deve-se ingressar com uma ação judicial, onde a petição inicial deve detalhar a relação de afetividade e apresentar as provas do vínculo parental. Durante o processo, serão coletadas provas que comprovem a existência do vínculo afetivo. Após isso, o juiz analisará as provas e, se considerar que o vínculo afetivo é legítimo e benéfico para a criança, reconhecerá a multiparentalidade.
Possibilidades
O Direito de Família vem adotando uma nova concepção, deixando de ter como objetivo a proteção ao patrimônio e voltando-se à proteção das pessoas através do reconhecimento das relações interpessoais existentes na sociedade. Assim, juridicamente deve-se buscar meios para o reconhecimento dessas relações, bem como, a efetivação dos direitos das partes envolvidas, quando a lei lhes omitir.
Assim, atualmente o que identifica a família não é o casamento e nem mesmo a diferença de sexo ou o envolvimento para procriação, mas sim, a presença de um vínculo de afeto que une as pessoas, em busca de um comprometimento mútuo, projetos de vida com alguma identidade e propósitos em comum.
Neste contexto, a multiparentalidade significa a legitimação da paternidade/maternidade do padrasto ou madrasta que ama, cria e cuida de seu enteado(a) como se seu filho fosse, enquanto que ao mesmo tempo o enteado(a) o ama e o(a) tem como pai/mãe, sem que para isso, se desconsidere o pai ou mãe biológicos. A proposta é a inclusão no registro de nascimento do pai ou mãe socioafetivos permanecendo o nome de ambos os pais biológicos.
Dessa forma, a multiparentalidade diverge da adoção unilateral em que o cônjuge ou companheiro do pai ou mãe do enteado adota este, o que resulta no total rompimento dos vínculos jurídicos com o outro genitor, salvo os impeditivos de casamento. Nesta modalidade de adoção unilateral, não há alteração da paternidade/maternidade do cônjuge ou companheiro do adotante, bem como do exercício do poder familiar e nos vínculos jurídicos.
A multiparentalidade é uma forma de reconhecer no campo jurídico o que ocorre no mundo dos fatos. Afirma a existência do direito a convivência familiar que a criança e o adolescente exercem por meio da paternidade biológica em conjunto com a paternidade socioafetiva.
Contudo, há que se observar que o reconhecimento da multiparentalidade está condicionado ao interesse da criança, em consonância aos princípios da afetividade, da solidariedade e da parentalidade responsável.
Requisitos Necessários
Para que a multiparentalidade seja reconhecida, é essencial comprovar a existência de um vínculo afetivo consolidado entre o padrasto ou madrasta e o enteado. Este vínculo deve ser contínuo, estável e público, refletindo uma verdadeira relação de parentalidade.
Processos Legais
O processo de reconhecimento da multiparentalidade pode ser iniciado judicialmente, onde será necessário demonstrar a relação afetiva através de:
• Testemunhos de familiares, amigos e professores.
• Comprovação de envolvimento no cuidado e educação da criança.
• Provas documentais, como fotos, vídeos e mensagens.
IMPORTÂNCIA DA MULTIPARENTALIDADE
Em pese o fato de uma pessoa possuir dois ou mais pais ou mães em seu registro civil, é fato que a multiparentalidade pode trazer diversos benefícios às crianças. Vejamos:
Benefícios para a Criança
O reconhecimento da multiparentalidade pode trazer diversos benefícios para a criança, como:
• Direito a herança de ambos os pais/mães.
• Inclusão em planos de saúde e outros benefícios sociais.
• Fortalecimento dos laços afetivos e garantia de suporte emocional e financeiro.
ASPECTOS LEGAIS E JURISPRUDENCIAIS
Apesar de não existir previsão legal em nosso ordenamento jurídico, é fato que a multiparentalidade já se tornou uma realidade em nosso país. Tal fato pode ser comprovado através das inúmeras decisões do STF e STJ, que, conforme já ilustrado, reconhecem tal possibilidade com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança.
O STF, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 898.060/SC, reconheceu a possibilidade de multiparentalidade, permitindo que um menor possua legalmente duas mães e dois pais, reforçando que o vínculo socioafetivo é tão importante quanto o biológico. Além disso, o próprio acórdão registra a fixação da tese para aplicação em casos semelhantes.
CONCLUSÃO
A multiplicidade de laços parentais é uma realidade em muitas famílias e reconhecer legalmente esses vínculos é um passo importante para garantir os direitos e o bem-estar das crianças. Se você está em uma situação similar ou conhece alguém que esteja, buscar orientação jurídica especializada pode ser fundamental. Nós podemos ajudar.
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